gringobrasileiro - Minha primeira vez - Parte 7

Acordei cedo naquela manhã de terça-feira. Como de costume, seria um longo dia. Um teste escrito, algumas leituras e anotações para finalizar, e, principalmente, me preparar para a apresentação de Sento nel core, que aconteceria no próximo sábado. O terno que usaria no evento já estava pronto. Linho preto que caia perfeitamente nos músculos do meu corpo, sapatos número 44 pretos que cintilavam e uma gravada amarela. Sim. Uma gravata borboleta amarela que emprestara de Benjamin, que, usaria um terno linho também preto, mas sapatos marrom escuro em harmonia com a gravata da mesma cor. Certamente estaria lindo.

Benjamin.

Ao ser despertado pelo terrível som do celular, aquele que te tira do céu e o trás de volta a dura realidade da rotina, tinha como primeiro objetivo verificar Benjamin e descobrir o que acontecera. Com os olhos entreabertos, um hálito peculiar e o cabelo bagunçado, o celular na mão: Nada.
Sequer uma mensagem de texto, ligação ou mensagem in-box.

Não é possível. Ele devia estar de brincadeira. Tudo bem, eu sei que imprevistos acontecem e não quero bancar o insensível, mas ele poderia ter me avisado que não viria. Este era algo que admirava nos americanos. Diferentemente dos brasileiros, se alguém marca qualquer compromisso com você em determinada hora, tenha certeza de que aquela pessoa estará ali. A organização é algo que me chama atenção também. De todos os nossos compromissos juntos, nunca tivemos problemas com falta de comunicação ou atrasos. Como se já não tivesse atributos suficientes para se gostar, era mais um detalhe que me fazia querer estar ao seu lado por um longo tempo, ou, quem sabe, para o resto dos tempos.
Não muda o fato. Ele não apareceu, não me avisou que não chegaria, e, pior ainda, não me deu qualquer notícia na manhã seguinte. Isso não se faz! Pintara diferentes quadros e situações em minha mente para explicar sua ausência. Estava um pouquinho irritado, mas principalmente, preocupado. Do fundo do meu coração, desejava que aquilo não tivesse nada a ver com seu pai. Não suportaria vê-lo sofrendo a perda de um pai cujas relações estavam tão deficientes. Estava em seus planos concertar as coisas com seu velho.

Seria o caso de ligar uma outra vez?

Claro! Eu sei o que aconteceu: ele estava se preparando para me encontrar no restaurante, mas o reitor da universidade o lembrou de um compromisso importantíssimo com os alunos de seu curso. Ele já tinha combinado comigo, e por isso, ficou bastante irritado. Na correria, acabou esquecendo o celular sobre sua mesa de trabalho, e quando se tocou, já era muito tarde pra voltar e buscar. Como chegou ao seu compromisso e não podia me contatar, ficou extremamente irritado, porque sabia que eu esperaria a toa, e por isso, acabou bebendo mais do que deveria. Ficou tão bêbado, mas tão bêbado que foi o caso de tomar um táxi até um dos apartamentos. Estava destruído nesta manhã seguinte e acordara em breve com uma dor de cabeça insuportável. Judiação! Eu realmente deveria ligar e saber se ele precisava de alguma coisa.

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

Talvez fosse o caso de dar um tempo e ligar mais tarde. Ele certamente ainda estava dormindo. Imagina o que ele pensaria quando acordasse e visse mais de trinta chamadas do meu telefone. Ele pensaria que eu sou louco ou que alguma coisa tivesse acontecido comigo. Não queria preocupá-lo, mas no caso, ele já o tinha feito comigo.
Uma última tentativa. Só mais uma:

Silêncio.

...

Meu humor estava afetado pelos eventos da noite passada, e para ajudar, meu professor demorou a chegar até o prédio em que seria testado, e portanto, fiquei esperando no frio por alguns minutos que pareciam uma eternidade. Estava nevando. Talvez fosse o caso de fazer uma reclamação na ouvidoria. Não era a primeira vez que acontecera. E eu não estava sozinho do lado de fora e isso talvez pesasse um pouquinho.

O teste não foi nada fácil, mas como tinha me preparado, não tive assim tantos problemas. Algumas questões, as de múltipla escolha, estavam bastante confusas, mas nada que não pudesse trabalhar com, além disso, o tempo era mais do que suficiente. O que realmente prendia minha atenção era o fato de que eu não tinha uma resposta. Não em relação à prova, mas ao lindo par de olhos verdes. De certa forma, era como se estivesse sendo testado de uma maneira não acadêmica. Foi bem difícil me concentrar no que estava fazendo.

Por que ele ainda não tinha me mandado uma simples mensagem de texto?

O horário de almoço finalmente chegou. Sentei-me próximo à televisão do quarto andar do prédio de Artes Cênicas, onde ficava a cafeteria que vendia guaraná. Sim! Por alguma razão, era o único lugar em que poderia encontrar guaraná, e portanto, adorava passar tempos ali e ver a expressão das pessoas que experimentavam o sabor brasileiro. Algumas faces eram realmente interessantes – e cômicas.
Lembro-me de certa ocasião em que conhecera uma intercambista da Índia. Dissera-me mais cedo que sempre se interessara por coisas da America do Sul, mas que nunca tivera a oportunidade de experimentar o famoso “nananá”. Ri muito da situação e juntos caminhamos até o prédio de Cênicas para que experimentasse o famoso verdinho. Sua expressão foi a mais engraçada possível. Educada, tentava dizer que era delicioso e que nunca provara nada melhor, mas nada verdade, queria cuspir tudo e sair correndo. Rimos muito da situação e ela nunca mais tornara a tomar guaraná – o nananá. Minha expressão foi ainda pior quando experimentei determinadas bebidas do subcontinente indiano. Eca!

Enfim, comi um sanduíche de frango grelhado e o tal guaraná. Na televisão, qualquer notícia sobre o mal tráfego da noite anterior, os acidentes causados pelas pistas congeladas, o dólar que operava em queda em comparação à moeda chinesa e previsões de mais nevadas para as próximas semanas. Importante mencionar que Idina Menzel se apresentaria na contagem regressiva para o ano novo na Times Square. Seria interessante vê-la em uma versão um pouco mais popular e vestida como todo mundo. Programa que Benjamin condenara desde o princípio, alegando que era a maneira mais estúpida de assistir os fogos de artifício, e portanto seria melhor estarmos aconchegados em seu apartamento, vendo tudo pela janela e fazendo amor. Não era algo que eu recusaria, certamente. Já tinha planos com minha família americana, mas era algo que poderia ser discutido. Não queria descer até Miami para o ano novo.

Certo. Eu tinha uma leitura pra finalizar e postar as respostas no portal da universidade. Isso me tomaria pelo menos quarenta e cinco minutos, e depois disso, seria o melhor tempo para fazer a malhação do dia. Nesse horário, e com aquele frio, poucos alunos se aventurariam a usar a academia do campus, e como sempre preferi malhar sozinho ou com o personal, seria o melhor horário. E assim o fiz, mas antes, por que não ligar uma vez mais? Ele já deve ter acordado, apenas não teve tempo de checar o telefone.

Silêncio.

...

Termina tarefa / posta anotações / imprime para ter certeza que não as perderá / vai à academia / atende a ligação da mãe no Brasil / conversa com conhecidos no portão principal do campus / congela a alma /

Era tanta coisa que minha cabeça doía. Muita informação, muitos compromissos e pequenos detalhes que exigiam tempo e dedicação. E a porcaria da mensagem que nunca chegava? Não é possível. Alguma coisa aconteceu.
Depois de uma conversa mole, consegui convencer o professor treinador que não estava me sentindo bem, e por isso, precisaríamos passar o último ensaio da música de sábado para o quinta-feira, porque na quarta, a universidade estaria fechada por causa da nevada. Professor gente boa – dependendo do ângulo de vista. Ele deixou.

O trem estava cheio e todos usando os casacos mais fortes na esperança de se proteger do frio que estava cada vez pior e da neve que caia do lado de fora. Felizmente, todos os lugares fechados nos Estados Unidos são aquecidos no inverno, fazendo que seu único contato com o frio seja em ambientes abertos. Cinco horas da tarde, tudo já estava escuro e melancólico, e luzes natalinas enfeitavam todos os lugares em que conseguia prender minha atenção. Pensei uma vez mais no quanto os americanos realmente valorizam o natal. Era algo que até irritada, eu acho.

Eu estava cansado depois de um longo dia e não sentia fome. Uma barrinha de cereal, um copo de leite com chocolate e um banho seriam o suficiente para me aquecer e me fazer descansar para o próximo dia. Não tinha necessidade de dormir cedo, porque não teria aulas naquela quarta-feira. Podia aproveitar o tempo livre para me preparar para a apresentação de sábado. Da última vez em que tocamos juntos, Benjamin me dera boas dicas sobre a interpretação e também como melhorar minha performance no palco. Era uma música muito tocante para ser cantada com cara de nada. Ele realmente tinha vocação para sua profissão. Mais tarde descobrira que foi um dos professores mais bem recomendados no site “Rate my teacher” no ano que passara. Olha! Era a deixa para ligar uma vez mais.

Silêncio.

...

Enquanto a água quente caia em minhas costas, deixando todo o ambiente do banheiro tomado pelo vapor, senti calafrios percorrendo o meu corpo e fazendo meu pênis despertar do sono do cansaço. Lembrei da última vez em que sentira pequenos beijos de Benjamin em meu pescoço, e quando na boca, o desejo convertido em beijos longos e molhados. Lembrei de como era bom sentir aquela boca macia tomando todo o meu cassete, desde a cabeça não circuncidada até o topo, e consequentemente, engasgando e enchendo o lindo par de olhos verdes de lágrimas. Sorri ao pensar que era apenas o primeiro homem com quem tivera sexo e já tinha me sentido tão bem. Não teve sequer um momento estranho ou desconfortável. Seu corpo era feito para o meu, assim como a figurativa linguagem de seu coração. Tocando meu pênis podia visualizar aquele lindo corpo malhado menor do que eu, com pelos loiros quase brancos e um anelzinho rosado sentando sobre mim. Sentia o calor do seu corpo ao meu, enquanto a água me tocava. Era como se, algo invés da ducha, pudesse ouvir sua voz entre suspiros e gritinhos, me dizendo o quanto era bonito e o quão excitado ele estava. Imaginei que no final da transa, poderíamos nos beijar e nos deitar ali mesmo, esperando para o segundo fight, ou simplesmente permanecer deitados sem nenhuma palavra, porque, afinal de contas, nossa química era perfeita.

Explodi em gozo, espirrando porra para longe, na cortina de plástico que protegia a água de cair do lado de fora da antiga banheira branca,e assim, molhar a cortina de tecido que também estava ali. #Sejaconscienteesemasturbeforadobanho #economizeagua

Enfim, estava pronto para passar um tempo no piano da sala de estar e me preparar um pouquinho mais para a apresentação daquela semana. Devo tentar uma vez mais?

Silêncio.

Sinceramente, não havia mais o que preparar para aquela música. Eu sabia exatamente o que queria passar enquanto cantasse. Por ter o domínio da língua italiana, a memorização não era o maior problema. Quando se canta, a maior dificuldade é de encontrar a correta inspiração para interpretar o que outra pessoa escreveu. Isso é muito difícil. No caso da música escolhida pelo professor, o personagem deveria estar morrendo de amores, sentindo a tal dor no coração que o consumia até a alma. Eu estava um pouquinho irritado e cansado, mas não triste ou sozinho. Eu gostava de alguém que gostava de mim e estávamos próximos a assumir um relacionamento. Seria difícil fingir que estava triste e interpretar uma canção tão poderosa quanto aquela.

Cansado de cantar a mesma coisa. Aproveitei a folga para trabalhar um pouco mais na música que compusera para aquele lindo par de olhos verdes. Achei que tivesse acertado no refrão, pois todos em casa estavam cantando, enquanto eu me perdia entre as risadas.

“Está apaixonado, Leo?” – disse meu host father sentando-se na poltrona da sala.

“Talvez?! Acho que sim. Não sei. Sim. Estou apaixonado” – disse perdido e com as bochechas já corando-se

“Ótimo! Quem é a felizarda que pescou o coração desta romântica alma? Ou felizardo? – disse caçoando enquanto tomava uma grande golada daquele café.

Apenas ri:

“Conheci num bar. Não quero falar sobre agora, mas podemos fazê-lo depois. Não nos falamos ontem, como foi o dia no trabalho?” – disse fechando o caderno e tentando mudar de assunto.

“Okay. Tenha seu tempo. Não quero pressionar. O dia no trabalho correu tudo bem. Tive um problema no trânsito para pegar a ponte do Brooklin para Manhattan. Algum acidente ou construção. Nada novo pra Nova Iorque – disse enquanto sentava-se próximo ao piano.

Passamos mais uns 30 minutos tocando uma obra do Schumann para quatro mãos. Ele era um excelente pianista formado em Economia. Tinha seu próprio escritório no Brooklin com filiais em quatro outros estados, e portanto, bastante dinheiro guardado. John era um senhor espetacularmente gentil e doce. Sempre sorrindo e perguntando se eu precisava de alguma coisa. Sempre disposto a me ajudar com dúvidas de teoria musical ou historia da arte nos Estados Unidos. Foi o primeiro a me levar para um show da Broadway em uma excelente performance do musical Once, cuja história, me apaixonei. Depois disso, downhill! Voltamos a diversas apresentações da Broadway e sempre uma melhor do que a outra. E no final de cada uma, a mesma frase:

“Eu ainda vou ver você em um destes” – dizia com uma certeza que sempre procurara dentro de mim.

Era sempre divertido tocar piano com ele, ou brincar com o violão enquanto ele improvisava suas complexas melodias ao piano. Mas era tarde e ele estava cansado. Hora de dormir. Tentar uma vez mais enquanto subo as escadas?

Silêncio.

...

Por mais que tentasse dormi, minha mente simplesmente não poderia ser desligada. Alguma coisa estava acontecendo. Ele não podia passar tanto tempo assim sem me dar uma única explicação. Eu só precisava de uma mensagem de texto. Não era possível que qualquer compromisso de trabalho ou família o tivesse tomado tanto tempo. Bingo! Olhar em sua página do Facebook e descobrir se ele viajou para a Geórgia ou para algum outro lugar.

“Este usuário não pode ser encontrado” – foi o que o Facebook me disse, como um violento soco no estômago.

Ele estava cansado de mim, mas preferiu não falar nada. Tivemos meses tão mágicos. Eu abri meu coração com os segredos mais íntimos e até fui pedido em namoro. Tínhamos uma viagem marcada para o hemisfério sul, e quem sabe, apresentá-los a meus pais. Parecia ridículo pensar, mas.. quem sabe! Uma foto minha estava no topo de sua árvore de natal com uma frase tão delicada e íntima. O cheiro do seu perfume ainda estava sobre minha camiseta usada no sábado a noite. Minha cueca preta ainda manchada por sua porra estava jogada próxima ao closed. Sem mencionar que uma cueca minha ainda estava em qualquer lugar no primeiro apartamento em que tivemos amor.
Agora, depois de vivenciar tudo isso, ele simplesmente desaparece?! Para atitude de moleque. Me excluir do Facebook? Não pode ser! Onde foi que eu pisei na bola.

Checava meu telefone celular, tentando encontrar qualquer mensagem ofensiva ou qualquer texto que poderia tê-lo magoado. Queria encontrar as razões que o levaram a desaparecer. Sentia o estômago enjoado e meu rosto queimando de nervoso. Eu já estava a dois dias sem respostas e não aceitava ficar um dia a mais na escuridão das minhas dúvidas.

Era minha culpa. Eu sabia que não deveria ter dito que estava apaixonado por ele. Era exatamente como na série de televisão. Eu realmente era o Ted Mosby e ele, Robin. Uma vez mais, me vindo dentro da história de how I met your mother. O final no entanto, era feliz, e eu sabia que o meu também seria, mas o que fazer? Era muito tarde para corrigir os erros. Talvez eu devesse ter segurado minhas palavras um pouquinho mais.
Puxa vida, ele sabia que eu não tinha experiência. Era claro que me sentiria apaixonado. Ele era extremante lindo e inteligente. Qualquer pessoa se apaixonaria por ele. Talvez esse fosse o problema. Ele deve ter encontrado alguém melhor do que eu. Já não tinha grandes prazeres com minha auto estima e agora, me olhando no espelho, procurava ainda mais razões para não gostar de mim mesmo.
Passava a mão em meu rosto, tentando entender se minha barba estava muito grande ou se ele simplesmente não tinha gostado do meu novo corte de cabelo. Apertava os músculos do meu braço, tentando entender se não era o que ele queria. Examinava meu corpo, buscando por respostas. Doeu ter sido rejeitado e excluído daquela forma.
Não sei se no passado tivera feito algo do tipo com alguém, mas se o fiz, nessa hora era eu do outro lado da arma. Doía muito. Eu estava “sentendo nel core”.

Eu simplesmente não pude dormir. Muita coisa rodando em minha mente:

“Bia?” – tentei pronunciar aos prantos, quando a ligação foi atendida.

“Leo? O que aconteceu? Onde você está?” – disse já preocupada e na certeza de que algo errado estava acontecendo.

Conversamos por algum tempo. Eu precisava desabafar e ela era a única pessoa em minha vida que sabia do que estava acontecendo entre Benjamin e eu. Era impressionante a facilidade que tínhamos em entender um ao outro, como da vez em que pensara estar grávida e precisei de um bom tempo para acalmá-la e dizer que tudo ficaria bem e que se realmente fosse verdade, eu seria o pai da criança. Riu. Passara um bom tempo tentando me explicar que não era minha culpa o fato de ele ter desistido. Disse também que nos, homens, temos uma facilidade incrível de magoar os corações alheios, coisa que eu já tinha ouvido de menininhas por aí. Disse, além disso, que eu poderia estar muito confuso, porque era a primeira vez que eu tinha envolvimento com homem. Argumentou também que tenho a alma de um artista, e portanto, doeria um pouco mais, mas que em breve a dor passaria e eu escolheria lembrar apenas das boas memórias, e no final da ligação, tentou me mostrar minhas qualidades e que em breve, conheceria um pessoa que saberia me apreciar. E nesse momento, eu poderia ser o cuidador que tanto almejara ser.

Ela sempre tinha bons pontos. Sempre me convencia quando estava errado, mas neste caso, eu poderia até me afastar, desistir e tentar esquecer, mas eu sinceramente precisava de respostas. Precisava vê-lo uma vez mais e entender que tudo o que tivemos era mentira. Que aqueles meses estavam apenas relacionados ao sexo e nada mais.

Adormeci.

Quarta-feira de Dezembro. Era inverno e eu não tinha mais o verão para me aquecer. Do lado de fora, minha janela estava parcialmente tampada pelo gelo. Um céu cinza escuro como se uma grande tempestade estivesse próxima a desabar. Uma calmaria que não posso descrever. O único som que ouvia era o do telefone relógio de parede com a foto do Cristo Redentor do Rio que ganhara de presente de um professor. Foi do mesmo relógio que tomei o susto ao perceber que já era 13 horas daquele dia. É, eu realmente tive problemas para dormir. Sequer me lembrava da ultima vez em que dormira tanto.

Meus olhos continuam inchados do choro passado e vários papeis higiênicos estavam ao lado da cama. Haja papel para tanta lágrima, pensei tentando encontrar graça na situação. Não queria ligar, mas seria o caso de checar o telefone para saber se alguma mensagem chegara?

Nada. Ignorado através do telefone, excluído do Facebook e deletado de sua vida.

“Conviva com a dor, otário. Aprenda a não se dar completamente” – disse em voz alta enquanto caia sobre a cama outra vez, sem a
menor vontade de sair dali.

Triste quarta-feira de dezembro.

Triste quinta-feira de dezembro.

Triste sexta-feira de dezembro.

Faltava apenas um dia para a apresentação mais importante da minha carreira. Todos os importantes músicos e professores de Nova Iorque estariam ali. Me sentia honrado por ter sido um dos cinco escolhidos para cantar, mas ao mesmo tempo, a pressão de fazer perfeito me causava uma pequena dor no estômago. Eu tinha que dar o melhor de mim. Não tinha meio termo.

Eram dias sem uma palavra daquele lindo par de olhos verdes e eu sabia que ficar afundado naquela tristeza não seria a melhor alternativa:

“Aconteceram algumas coisas ruins e ainda não estou preparado para falar sobre. Amanhã será um dia importante pra mim e não quero ficar depressivo. Vamos sair e comer alguma coisa hoje a noite?” – disse a John, meu host father enquanto pegava uma maça da fruteira repleta de cores.

“Claro. Apenas me diga onde quer ir e o faremos. Você sabe que tem toda a liberdade para contar qualquer coisa que esteja acontecendo. Mas se precisa de um tempo, eu o respeito” – disse tirando os óculos de leitura e colocando a mão em meu ombro.

Senti um forte aperto no coração. Como seria se eu contasse o que realmente estava acontecendo? Será que ele realmente entenderia ou me odiaria para sempre? Seria a mesma coisa com meu pai biológico do Brasil? Ele entenderia ou ficaria profundamente chateado e não quereria mais falar comigo? Ahhh, tantas duvidas. Não era a melhor hora para falar sobre.

Decidimos que iríamos jantar no mesmo restaurante em que Daniela, minha amiga carioca, trabalhava. Não era tão longe, as opções eram boas e, de quebra, ainda podia falar em Português e sentir o cheirinho de casa. Faria bem colocar o rosto em um lugar que não fosse em casa ou na universidade. Seria bom ver gente.

O frio era cortante do lado de fora e isso não me surpreenderia. As pessoas estavam acostumadas com tamanho frio, mas não eu. Era simplesmente exagerado. Lindo. Absolutamente lindo, mas exagerado.
Como optamos pelo metrô, não foi muito difícil ou trabalhoso chegar ao restaurante. Dirigir até aquela área seria definitivamente mais difícil e doloroso. Além disso, poderíamos conversar sobre a semana e quem sabe eu criaria coragem para falar o que realmente estava acontecendo. Não o fiz.

Estava sorrindo por fora. Brincando sobre o chapéu da velha senhora, que mais parecia ter sido produzido por uma criança de três anos de idade. Ria de tudo e de todos, falava sobre a excitação de ter sido escolhido para cantar no próximo dia, mas, dentro de mim, tudo estava quebrado e ruído.
Não me entenda errado. Sei que poder parecer muito dramático, mas coloque-se na situação de um estudante de artes, cuja alma é extremamente delicada, vivendo num país estranho com uma língua diferente, vivendo com uma família que ama, mas ainda assim, nova e tendo que se acostumar com a dura realidade de se olhar no espelho e entender que não há saída. Você é gay.
Sim, muita coisa para alguém como eu, e portanto, era digno de estar doendo e sangrando. #exagerado #cazuza

Enfim, chegamos. O local estava cheio e imaginei que precisaríamos esperar por uma mesa.

“Deveríamos ter feito reserva” – disse enquanto abria a porta da frente e procurava por Daniela.

Lá estava ela. Linda como sempre, com o cabelo perfeitamente amarrado e vestindo uma calça jeans mais justa que a que a Lei Maria da Penha. Tinha certeza que tinha dezenas de homens ao seus pés... ou mulheres. Estampei o melhor sorriso no rosto e abri os braços o caloroso abraço brazuca.

“Como você está?” – disse com cara de poucos amigos, enquanto tirava a caneta do bolso.

“Estou bem. Estressado com coisas da universidade, mas bem” – disse um pouco desconfiado, tentando entender o que estava acontecendo.

Daniela estava com os olhos caídos e com a expressões bem mais bonitas do que da última vez. Era como tivesse visto um fantasma e estivesse apavorada por isso.

“Eu sinto muito por sua perda. Eu realmente sinto muito” – disse desabando em lágrimas enquanto me abraçava.

“Do que você está falando? O que aconteceu?” disse com coração apertado e o rosto em chamas enquanto me desvinculhava de seus braços.

“Eu vi no noticiário de terça-feira e reconheci o nome” – disse enquanto enxugava as lágrimas.

CONTINUA...


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Nome do conto:
gringobrasileiro - Minha primeira vez - Parte 7

Codigo do conto:
70199

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
01/09/2015

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