Com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, acabei me aproximando bastante do David. Diariamente, quando chegava do trabalho, ele ia ao meu quarto para perguntar como estava passando e se algo extraordinário tinha acontecido em meu dia, e naquele 23 de março, não foi diferente.
“Claro. Entra” – Respondi tentando me arrumar na cama.
“Está descente? “ – Brincou.
“Sim. Já guardei meu pinto” – Respondi rindo da própria afirmação.
“Cheguei em casa a pouco e vi que você não prendeu os cachorros. Deduzi que estivesse em casa. Aconteceu alguma coisa? Está se sentindo bem? “ – Questionou, movido de preocupação.
“Eu preferi faltar as aulas da noite de hoje. Me senti um pouco doente” – Respondi, tentando controlar as emoções.
Nos próximos 45 minutos – ou perto disso – rasguei meu coração, e vomitei tudo o que estava sentindo. Eu não conseguia entender como tinha caído em uma cilada como essa. “Apaixonar-se” em inglês, traduz-se como “falling in love”. A tradução literal para essa pequena frase seria “cair em amor”, mas preferimos dizer “apaixonar”. Bem, nesse caso, acho que a tradução em inglês era realmente mais apropriada. Como eu consegui cair dessa forma? Como consegui me entregar de forma tão profunda? Acho que o que estava mais me desesperando, é que eu nunca tive planos de ficar nos Estados Unidos, mas quando o conheci, e me apaixonei tão repentinamente, tive um pouco de esperanças. Esperanças de que poderia ficar no país e simplesmente deixar de ir ao Brasil. Esperanças de que não precisaria lutar contra minha família, e que devagar, sairia do maldito armário. Por dois meses, planejei – outra vez - minha vida inteira: eu me casaria com o homem com quem vivera um romance tão verdadeiro, e viveríamos em Nova Iorque ou Los Angeles. Terminaria meus estudos na Julliard e conseguiria um bom emprego como professor. Trabalharia feito louco com minhas músicas, e algum dia, as pessoas começariam a me ouvir. Um dia, quem sabia, adotaria uma criança. Em algum momento, iria ao Brasil para ver meus pais, e neste dia, sairia do armário. Eles entenderiam. E eu viveria feliz para sempre.
Como eu queria que a vida fosse simples assim! Como eu queria ser um dos personagens das histórias do Nicholas Sparks. Como eu queria que o meu final fosse semelhante ao final de Ronnie e Will, em A Última Música!
“Eu não acredito. Você deve ter entendido errado, Leo. Jared e eu conversamos muito pelo telefone, procurando um bom advogado, e ele está realmente apaixonado por você” – Disse David, certo de que eu tinha me confundido com a ligação.
“David, eu sei que meu inglês não é perfeito, mas o que ele disse foi bem simples e objetivo. Ele quer se casar para que eu fique nos Estados Unidos, mas não quer ficar comigo” – Respondi chorando.
“Então ele se casaria com você e no outro dia cada um por si? “ – Questionou confuso.
“Exatamente. Foi o que ele me disse ao telefone” – Respondi.
Naquela noite, decidi que não desceria para jantar. Não estava me sentindo bem do estômago, e minha cabeça doía bastante. Meu coração estava em pedaço, e eu não conseguia parar de ouvir “I’m not the only one”. E infelizmente, aquela música fazia todo sentido para minha vida. Eu não era o único na vida dele, mas estava procurando alguém para ser único em minha vida. Era tudo o que eu queria. Baseado no plano dele, nos casaríamos e eu conseguiria minha cidadania com toda a facilidade do mundo. Enganaríamos ao sistema, e depois de alguns anos, nos divorciaríamos. Pronto. Eu me tornaria americano, e ele teria me ajudado. Dessa forma, ele poderia continuar com a sua vida, e eu, com a minha. Ele continuaria dizendo que me amava, viajaríamos juntos ocasionalmente, e ele sempre viria à Nova Iorque. Faríamos amor sempre que ele estivesse por perto, e ele me ajudaria neste novo começo de vida. Por causa de um sonho americano, eu simplesmente abandonaria meus pais, meu irmão, meus amigos, minha carreira no Brasil, meu sonho de ser alguém na vida, e o país que tanto amo. Abriria mão até mesmo da minha nacionalidade! E não estou me referindo a abrir mão de tudo isso por cause de um amor, mas apenas por um sonho. Colocando tudo em uma balança, não fazia muito sentido. Eu valia muito, mas muito mais do que isso.
Sei que não devia agir daquela maneira, mas naquela noite, não conseguia parar de pensar em como teria sido diferente se Ben ainda estivesse aqui. Ele me amava por quem eu era, e estava disposto a enfrentar tudo para estar comigo. Ele me queria. Ele me desejava. Ele tinha dito a sua família sobre mim, e tinha esperanças de que um dia eu faria o mesmo. Quando estava comigo, depositava cem por cento de sua atenção no que estava fazendo, e ria mesmo quando fingia entender o que eu dizia. Caso um dia decidíssemos nos casar, seria simplesmente porque ele estaria disposto a passar o resto dos seus dias ao meu lado.
Era assim que me sentia. Preso ao passado, e completamente perdido em relação ao futuro. Agora era tarde. Em menos de 40 dias, eu precisaria deixar o país, e dali em diante, tudo parecia incerto e escuro.
Naquela noite, cerca das dez horas, John veio ao meu quarto. Disse que entendia que eu precisava de um tempo para ficar sozinho e pensar sobre tudo aquilo, mas também disse que David tinha ligado para Jared, e eles queriam conversar comigo. Eu não podia simplesmente dizer que não. Quando antes tirasse aquele peso dos meus ombros, melhor seria para mim mesmo. Eu só precisava respirar.
Desci as escadas, e provavelmente parecia com um panda. Meus olhos estavam inchados, e meu cabelo bagunçado. Usava pantufas do Bob Esponja, e uma camiseta da minha escola. David estava sentado no sofá da sala de estar, com seus óculos redondos e amarelos – todo cheio de estilo, como sempre. John usava shorts e uma blusa do Chicago. O ambiente estava parcialmente iluminado, e qualquer coisa tocava em seu iPad conectado ao sistema de som da casa. Os cachorros, preguiçosos, esticavam suas patas entre um minuto e outro.
“Eu conversei com o Jared por um instante” – Disse David iniciando a conversação.
“Tem qualquer tipo de confusão em minha explicação? “ – Comentei sarcástico.
“Não. Você tinha razão” – Respondeu me olhando.
Por alguns instantes, eu estava todo esperançoso de que ele teria algo diferente para me dizer. Esperava, com toda sinceridade, que estivesse errado. Mas por que me fazer de idiota? Eu sabia que tinha entendido tudo com clareza.
Conversamos por algum tempo, e ele me explicou o que realmente acontecera. Nas palavras de Jared, ele realmente estava apaixonado por mim, e tudo o que me dissera era verdade. Ainda assim, não podia “colocar tudo a perder”. Foi aí que tudo começou a ficar um pouco mais claro. A fortuna de Jared não vinha apenas de seus trabalhos como arquiteto, ou das casas que reformava e vendia em parceria com Dimitry. Ele era o arquiteto principal de uma das maiores redes de hotéis nos Estados Unidos. Por essa razão, ele não precisava perder tempo com escritórios específicos, ele poderia apenas viajar e desenhar quando quisesse. Suas lojas eram administradas por pessoas de confiança, e ele apenas tomava as decisões. Dessa maneira, pude entender o porquê ele sempre agia de maneira espontânea, como sugerir uma viagem à Carolina do Sul sem nenhuma hesitação. Procurar seu sobrenome no Google fez com que eu me sentisse literalmente nada. Ele não era simplesmente um cara rico, ele era um cara internacionalmente importante, e isso explicava suas constantes viagens ao Brasil, e o passaporte carimbado com tantas outras nacionalidades. Em sua conversa com David, explicara que não poderia assumir um relacionamento com alguém como eu, e que, quando me propôs em casamento, não sabia que os passos poderiam ser tão complicados. Quando enfim conversou com o advogado que escolhemos juntos, foi informado que se o casamento fosse uma farsa, ele poderia acabar na cadeia. Ele não pretendia fingir um casamento, mas ao mesmo tempo, como poderia informar a sua família, e mesmo todos os contatos profissionais, que estava se casando com um brasileiro estudante, que nem cidadania tinha? As pessoas jamais entenderiam. Estivera casado por muito tempo, e trocar alguém como seu ex-marido por alguém como eu era uma mudança muito radical. Ainda assim, disse que estava disposto a investir o dinheiro que fosse necessário para que eu ficasse no país. Disse que se a melhor escolha fosse não prosseguir com o casamento, pagaria para que alguém se casasse comigo, apenas pelos papeis.
Enquanto David falava, era como se meu corpo se convertesse em uma pedra. Minha cabeça doía, e não conseguia conter minhas lágrimas. Rangia os dentes e apertava as mãos, como alguém se preparando para socar uma parede. Me sentia febril, e minha pele morena provavelmente estava vermelha. Não me sentia apenas triste, mas com muita raiva também. Raiva porque me sentia um idiota. Tinha me entregado completamente a alguém que não estava preparado para cuidar do meu coração. Tinha me jogado em queda livre, sem me preocupar com a dor do tombo. Tinha entregado minha saúde, ao transar sem camisinha com alguém que mal reconhecia agora. Raiva por decidir sonhar em ficar no país e enfrentar tudo e a todos em nome da felicidade. Estava irado, porque mais uma vez, tinha a prova de que pessoas podem ser insensíveis, e eu provavelmente, não encontraria o amor da minha vida.
“Eu preciso sair” – Disse tentando voltar à conversação.
“Tudo bem. Onde quer que eu te leve? “ – indagou David, tentando saber o que fazer para me ajudar.
“Obrigado, mas eu preciso ir sozinho. Eu só preciso respirar um pouco. Não está frio, e seria uma boa noite para andar” – Respondi, aguardando sua permissão.
Como de costume, ele me fez jurar que estava bem, e que não faria nada idiota. Disse que deixaria seu telefone em volume alto, e se eu precisasse de qualquer coisa, poderia simplesmente telefonar para ele. E John, como sempre, enfiou duas camisinhas no bolso da minha calça, prevendo que eu me divertiria aquela noite. Não. Não tinha intenção de me divertir. Queria chorar. Queria gritar. Queria bater em alguém. Queria fazer qualquer coisa para tirar aquele peso do meu peito.
Calça jeans apertada, camiseta do Mickey mouse, All-Star Converse branco, e uma jaquetinha bem leve. Meu cabelo continuava bagunçado, e em meu bolso, apenas o telefone e a carteira.
Caminhei pelas ruas de Manhattan, tentando encontrar qualquer coisa que me chamasse atenção. Nova Iorque tem fama de ser a cidade que nunca dorme, e especialmente agora, com a estação ficando um pouco mais quente, as pessoas simplesmente adoravam ir para as ruas. Os prédios pareciam tocar o céu, e a temperatura batia os 23 graus Celsius. Era uma noite quente para aquela época do ano. Vi um grupo de chineses fotografando até o pensamento alheio, e um casal que passeava com dois cachorros pequenos. Vi duas moças se beijando, e um policial comendo um biscoito – sério. Vi uma carruagem transportando turistas, e também vi as luzes de um restaurante mexicano. Era ali que eu iria!
O restaurante era relativamente chique, e todo o tipo de pessoas lotavam as mesas. Por falta de opção, tive que sentar na parte do bar. Não estava disposto a esperar pelos próximos quarenta minutos por uma mesa. Também não estava disposto a andar mais, e talvez não encontrar nada.
“Me dá a margarita mais forte que você tiver, por favor” – Pedi ao garçom.
Enquanto virava a bebida garganta abaixo, decidi que poria um fim àquela história de uma vez por todas. Bia estava certa. Eu deveria ter acabado com ele quando ainda era tempo, antes de ele foder com meu coração e minhas emoções.
“Eu pedi para que você se afastasse” – Foi a última mensagem que mandei.
Algumas bebidas mais tarde, e já um pouco tonto, dei início a minha liberdade. Não estava bêbado, mas disposto. A começar pelo Facebook, e seguido pelas demais redes sociais, comecei a bloqueá-lo, também na esperança de bloqueá-lo da minha vida. Também bloqueei seu número do meu telefone, de forma que não pudesse me alcançar, mesmo através do meu número. Pedi a David e John que evitassem conversações, e ainda pelo telefone, cancelei todo o processo com os advogados.
“Você não deveria mandar mensagens enquanto está bebendo. É perigoso demais” – Disse um total estranho ao meu lado no bar.
“E quem é você mesmo? “ – Soltei, já estupido.
Me lembro de que quando sentei ali, era o único, mas como estava tão focado, mal percebi que várias pessoas sentaram próximas a mim.
“Não precisa ser estúpido. Só estou tentando me aproximar” – Respondeu na defensiva.
“Desculpa. Não quero parecer estúpido” – Respondi.
“Noite difícil? “ – Perguntou o estranho.
“Dia difícil. Noite difícil. Vida difícil” – Respondi já exaltado.
“Quer falar sobre isso? “ – Perguntou.
“Mamãe dizia para não conversar com estranhos” – Brinquei.
“Oi, meu nome é Andrew, e eu trabalho aqui em Manhattan. Quem é você? “ – Perguntou me estendendo a mão.
Tinha que admitir que ele era simpático. Usava uma camisa xadrez, e uma gravata borboleta vermelha. Tinha a barba ruiva, e o cabelo extremamente loiro. Tinha olhos azuis, e usava óculos. Era um sujeito bonito.
“Oi, Andrew. Meu nome é Leo, moro relativamente próximo e sou brasileiro. Meu dia foi difícil e decidi que beberia até cair hoje à noite” – Respondi com mais um gole.
“Beber pode ser bom. Só toma cuidado com suas mensagens. Pode ser perigoso” – Brincou.
Conversamos por mais algum tempo. Ele era um cara agradável de se estar perto. Contou que aquele dia era sua graduação da faculdade, e que os amigos saíram para beber. Todos estavam no bar, mas ele estava entediado. Sabia bastante coisas sobre o Brasil, embora nunca tenha visitado a América do Sul. Apaixonara-se pelo Brasil depois de assistir ao filme “the way he looks”, que conta a histórias de dois meninos que se apaixona, e um é cego. Assisti aqui no cinema, e não faço a mínima de como o filme seja chamado em Português! Estava se formando em publicidade e propaganda e já trabalhava na maior multinacional do mundo, a Coca-Cola. Disse que fazia muito dinheiro, mas que estava totalmente infeliz em sua função. Ao invés de trabalhar com campanhas de criação, trabalhava como gerente de venda, e estava a procura de um emprego relacionado ao seu diploma. Comentou sobre a falta de experiência.
Não sei se ele se sentiu a vontade demais, mas simplesmente não conseguia calar a boca. Enquanto falava, eu só queria dar um murro na cara dele, porque queria muito ficar sozinho.
“Garçom, me dá um shot de tequila, por favor” – Foi meu pedido.
Um. Dois. Três. Quatro.
E não consigo me lembrar de mais nada. Literalmente.
CONTINUA