Depois de algumas horas de viagem, nós chegamos à fazenda.
Já não lembrava como era lindo o lugar! Ainda na entrada, passávamos por uma usina de açúcar desativada. Mas, mesmo assim, era um lugar lindo.
Mais por instinto, eu olhei o sinal do celular, e vi que estava pegando, exatamente o oposto de quando eu tinha ido pra lá pela última vez. Pelo menos é o que eu achava.
Ao embicar o carro na porteira, vi da varanda, ela nos olhando entrar. Minha vó parecia com uma sacerdotisa! Vestia-se com uma roupa simples, e branca. Seu rosto transmitia à calma e tranquilidade, que faria sentir bem até o pior dos homens do mundo. Ela nos olhava com um olhar que desprendia amor, e paz.
Eu parei, e já me mexia pra descer e abrir a porteira, mas, a minha mãe já estava fora do carro. Tudo que eu queria... Ficar mais um tempo com a insuportável da Gilda. Ela nem bem tinha terminado de abrir a porteira, eu já estava passando. Tudo que eu mais queria era levantar, e esticar as minhas pernas.
Não sei por que, mais eu continuava me sentindo estranho... Como se tivessem tirado um pedaço de mim. Não era possível. Eu me sentia tão humilhado. Ele, que tinha me jurado amor eterno, tinha dito que era meu pro resto da vida dele, me fez entrar em toda essa roubada só e tão somente por ele! Não queria, não podia acreditar no que os meus olhos me mostravam. Por mais que eu olhasse pra foto mais de um milhão de vezes. No fundo do meu coração, eu não acreditava. Mas, a foto era real. Eu suspirei, estacionando em frente à porta da sala. Minha vó desceu os degraus de pedra da varanda, e veio correndo nos encontrar.
_ Vicente! Quanto tempo meu filho!
Ela podia parecer com uma sacerdotisa, mas, ainda conservava o jeito de matrona católica fervorosa que era. Muitas vezes desde quando tudo aconteceu, eu me peguei pensando em como ela reagiria à notícia.
_ Mamãe! Que saudade!
Ela me largou pra abraçar a minha mãe. Elas ficaram abraçadas por um tempo, e foram separadas pela bronca que a minha vó deu:
_ Como você não toma a bênção Marisa!
Minha mãe fez cara de vergonha, falsa, e ergueu a mão direita pra tomar a bênção.
_ Deus lhe abençoe filha. E você menino?
_ Benção vó.
_ Deus abençoe.
_ Dona Beatricia, tudo bem com a senhora?
_ Mamãe, eu trouxe a Gilda comigo, a senhora não se importa né?
_ Claro que não. Tudo bem sim Gilda, e com você?
_ Bem obrigada.
_ Vamos entrar? Já tá escuro, e os pernilongos estão fazendo a festa por aqui.
Nós a seguimos e entramos em uma luxuosa casa de fazenda, lindamente mobiliada. Nós estávamos na sala da frente, e eu olhava maravilhado para todos os lados.
_ Vicente, _ Ela disse pondo a mão no meu ombro. _ eu tenho uma coisa nova pra você.
_ Tem? O que é vó?
_ Vem comigo.
Ela saiu por uma porta lateral, entrando em uma sala igualmente linda, e grande. Nela tinham alguns sofás, e mesinhas pequenas, uma pintura de uma paisagem pendia de uma parede, e em um lugar de destaque um piano negro como a noite, lindo em sua majestade.
_ Vó!
_ Mamãe!
Ela sorriu:
_ Gostou Vicente? Eu andei por aí, e como eu já tava com saudade de te ouvir tocar, resolvi comprar um piano, e por nessa sala. Ela nunca teve uma utilidade mesmo. E é bom que ela fica perto do seu quarto também.
Eu a abracei. Nós fomos comer, já que todos estavam famintos, não antes de eu prometer que tocaria antes de ir dormir pra ela.
Promessa cumprida, nós fomos dormir. Bem, por ser uma casa de fazenda dos tempos do café, ela já era alta por si só. Desde a última vez que eu estive lá, o meu quarto mudou de lugar, estando agora na sala onde o piano se encontrava.
“Melhor pra mim”, eu pensei sorrindo pra minha vó. Meu quarto era grande como tudo naquela casa, e tinha uma cama de casal enorme, como se fosse uma antiga, mais não, pois o cheiro do verniz ainda era forte.
Eu nem bem tinha caído na cama, e já estava dormindo o sono dos justos. Eu sonhei a noite toda com o Caio, e com a foto que eu tinha recebido por e-mail. Eu acordei antes da casa toda pelo que eu pude perceber. Um silêncio quase mortal, quebrado apenas por um barulho de saltos andando pelo terreiro. Eu me levantei e olhei pela janela, e vi um empregado da fazenda passando bem debaixo, com uma lata de leite nas mãos. Eu não pude deixar de olhar o corpo dele, forte e marcado pelo trabalho braçal, e marcado de sol.
Um barulho dentro do meu quarto me assustou, me fazendo virar rápido. Era o meu celular marcando um novo e-mail não lido. Eu corri e abri. Outra foto do Caio, mais dessa vez ele estava sem camisa, no carro, com uma loira dessas de parar quarteirão, e com a data de dois dias antes. Eu sentei na cama, e chorei até eu ouvir um barulho próximo a porta do meu quarto, me indicando que alguém tinha acordado, e vinha me olhar. Eu deitei me cobrindo e enfiando a cara no travesseiro, bem em tempo da minha vó entrar e perguntar:
_ Vicente, tá tudo bem com você meu querido?
Eu não podia falar pra não trair a minha voz, e fiz que sim com a cabeça. Ela se aproximou de mim, e ergueu o meu rosto do travesseiro.
_ Então por que você tá chorando?
Sem consegui juntar forças suficientes pra explicar, nem falar nada, eu mergulhei o meu rosto no peito dela, e chorei como uma criança.
_ Meu Deus! O quê acontece meu filho!
Ela olhou o celular na minha mão e pegou delicadamente, olhando a foto que ainda continuava aberta.
_ Ela é sua namorada? Não. Não fala nada. Eu vô fazer o nosso café. E você vai tomar um banho, e vá até a cozinha pra tomar café comigo. E depois eu vô a missa, você quer ir?
Ela me olhava com um olhar profundo, e eu fiz que sim com a cabeça, mesmo eu nunca tendo muito saco com igreja, algo que o Caio brigava muito comigo, já que ele era um verdadeiro carola.
Eu tomei um banho demorado, chorando muito, e saí. Quando eu cheguei no meu quarto e me olhei no espelho, me assustei, os meus olhos estavam muito vermelhos, resultado do choro. Eu corri até o banheiro, e achei por sorte na bolsa da minha mãe um corretivo, que eu apliquei totalmente sem jeito. Mais consegui o meu intento, disfarcei um pouco a vermelhidão. Terminei de me arrumar, e fui pra cozinha encontrar com a minha vó, que estava ao telefone quando eu entrei, e me fez um sinal pra esperar, e saiu. Eu olhei no relógio de parede que tinha lá, e vi que eram dez pras seis, e o dia mal tinha clareado. “Com quem ela tava falando?” Parecia um assunto delicado, porque ela tava com uma cara bem séria. Depois de um tempo, ela voltou com o telefone, e me entregou:
_ O seu pai quer falar com você.
Eu peguei o telefone, feliz por poder falar com ele.
_ Pai?
_ Filho, tudo bem?
_ Normal...
_ Sua vó me disse que te viu olhando pra uma foto e que você estava chorando... O quê aconteceu Vicente?
_ Dois e-mails que eu recebi pai.
_ Os dois com fotos?
_ Sim.
As lágrimas voltavam aos poucos, e eu fui pro quarto mais uma vez.
_ Filho, quem estava na foto?
_ O Caio.
_ O Caio, sozinho, ou não?
_ Não.
_ Filho! E você já conversou com ele?
_ Ele não me atende. Só pode ser mesmo verdade pai!
_ Filho, me encaminha esses e-mails.
_ Tá. Já vô encaminhar.
Nós nos despedimos, e eu retoquei mais uma vez o corretivo.
Eu tinha acabado de enviar os e-mails, e guardado o corretivo, a minha vó entrou no quarto.
_ Vem filho, vamos comer pra nós irmos à missa. Você tem certeza que quer ir comigo?
Eu fiz que sim com a cabeça, e a segui. Nós comemos em silêncio, e saímos de carro. Ela quis ir dirigindo, mais a aventura era muita pra mim, e nós fizemos uma pequena troca de lugares na porteira.
Nós chegamos muito cedo à igreja. Lá estavam elas, todas rezando o terço, quase morri de tanto tédio.
Bom, nem preciso dizer que não parava de pensar no Caio, e que dormi a metade do terço, acordando com uns cutucões da minha vó na costela. A missa começou, mais parada que o terço em si com um padre baixinho e falando lentamente, falando, aliás, cantando. Isso mesmo, a missa era cantada, aí realmente eu dormi mais que prestei atenção. Eu comecei a planejar um milhão de coisas pra aprontar com os fiéis da igreja. Coisas que sem a menor sombra de dúvida o Caio brigaria comigo. Mais quem disse que eu ainda me importava com ele?
Eu voltei pra casa e tramei tudo pro domingo seguinte.
E ele finalmente chegou. Lá fomos nós pra igreja, e a missa monótona mais uma vez começou. Eu disfarçadamente tinha levado uma bombinha e escondido da minha vó, eu a soltei no fundo da igreja, quase matei as velinhas que estavam lá. Primeira parte cumprida. A segunda parte foi esperar a igreja ficar totalmente em silêncio, e começar a fazer barulhos pra assustar tanto o padre, quanto os fiéis. E não é que deu certo! Em pouco tempo, o padre saia correndo da igreja e as velinhas o seguiam o chamando de medroso e essas coisas. Eu rolava de rir no caminho de volta pra casa, e a minha vó queria me matar. Desde esse dia, ela nunca mais me chamou pra ir à missa com ela. Por que será né?
Bem, a minha mãe resolveu que já tinha descansado por de mais, e decidiu que ia voltar pra São Paulo.
Infelizmente tudo que é bom acaba, e nesse caso acabou a minha paz.
Ótimo kkkk Vamos de próximo !