Romance e Sedução (2)

Dirigi até o condomínio onde moro.
- Legal isso aqui! - disse depois de estacionarmos os carros e olhando as árvores do bosque.
- Também gosto! – e muito. A casa mais próxima da minha, ficava longe o bastante para não me perturbar e perto o suficiente para não me sentir um eremita. Enquanto caminhávamos propus:
- Vou retribuir o favor que você me fez preparando um jantar para nós! Que tal?
- O que é isso, vai te dar trabalho, nem pensar! - disse.
- Eu é que te dei um trabalhão. - cortei - Não me custa nada. Será um prazer preparar algo para nós.
A resposta veio junto com um sorriso. Entramos. Minha casa é grande, mas sua maior qualidade é ser aconchegante. A sala tem ambientes distintos, sempre com a preocupação de ser um lugar gostoso de se ficar.
- Isto nem parece casa de homem solteiro! - disse assim que entrou. Pensei ouvir alguma preocupação embutida em suas palavras.
- Mas é! - respondi - Passo muito tempo em casa e tenho que gostar de onde estou – Tenho ajuda de uma senhora que faz a limpeza, mas ela está de férias visitando parentes no Norte.
Ela caminhou em direção à varanda, que tem uma pequena piscina, visivelmente impressionada.
- O que você gostaria de beber enquanto espera? - perguntei
- Você tem vinho?
- Um branco suave que acho que você vai adorar!
E fui até o bar enquanto ela circulava pela sala se habituando ao espaço.
- Isto aqui é incrível!
- Também acho. Me apaixonei por esta casa assim que a vi.
Voltei com dois cálices. Entreguei um a ela e levantando o meu brindei:
- Ao meu pneu furado!
- À minha boa ação do dia! - brincou.
Sem perguntar o tipo de música que ela gostava, coloquei um CD para tocar. Fiz a combinação mais pelo vinho do que qualquer outra coisa, apesar de que Bill Evans sempre soou para mim como a música ideal para sedução. Só não sabia quem estava seduzindo quem. Ela ofereceu-se para ajudar na cozinha:
- Quer uma ajuda?
- Te convidei para jantar, não para trabalhar, fique aqui que não demoro nada.
Saí para a cozinha, que estava um bocado zoneada, não limpara nada depois do desastrado café da manhã e demorei a abrir as “janelas” que dão para a sala, é uma cozinha americana. Mas como bom voyeur, não pude resistir a observa-la pelas frestas da veneziana. Estava à vontade. Tirara os sapatos e olhava para além da varanda. Ela era bonita e parecia tão simples. Das duas uma: ou não tinha consciência da sua beleza ou trabalhava muito bem isso. Usava um vestido de malha não muito comprido, com uns laços na frente, que por algum motivo me lembrou a mulher do Rei Arthur, mais por ser amante de Lancelot. Provavelmente eu estava muito romântico. Ela olhava para fora e bebia o vinho. Deu um salto com o barulho das “janelas” da cozinha ao se abrirem.
- Desculpe, precisam de óleo. - falei - Mas assim podemos conversar enquanto preparo o jantar.
A cozinha fica à direita de onde ela está. Ela caminha em minha direção. Descalça parecia um anjo. Acho que dei bandeira, pois ela olhou para seus pés e diz:
- Você não se importa que eu os tire, não?
- De modo algum. - eu adorara - Estava pensando que fazem só duas horas que nos conhecemos! - e voltei-me para a massa da lasanha, com a imagem daqueles pezinhos lindos.
Ela sentou-se num banco alto junto à bancada.
- Eu também pensava isso, mas tenho a impressão de já conhecer este lugar!
- Quem sabe não foi em outra encarnação! - brinquei odiando a piada sem graça.
- Não dá, é novo demais para isso! - respondeu com um lindo sorriso. - O que é que você está colocando nesse molho?
- Meu ingrediente secreto!
- Parece estar ótimo - disse inclinando-se um pouco sobre ele. O ingrediente secreto era uma mistura muito louca de ervas alpinas que um italiano amigo meu, refinado gourmet havia me enviado. Elas realmente davam um toque muito especial, pois no resto, era um molho simples em uma lasanha bastante convencional.
Mas coloquei o quitute no forno e pegando meu cálice voltei para a sala anunciando:
- Agora só nos resta esperar.
Ela quis saber quem estava tocando e mostrei a capa do CD para ela. Examinou-a com atenção:
- Acho que é isto que está fazendo ter essa sensação de já conhecer isto aqui - e olhou para toda a sala - Já ouvi este CD lá na loja. Foi num dia que estava chateada e ajudou a sair do buraco.
- Que bom! - acertara no alvo - Venha conhecer o resto da casa.
Aproveitei a oportunidade e pegando-o pela mão entramos. Ela não recusou o contato e dei como certo que não recusaria mais nada. Estava perfeito. Talvez perfeito demais, mas não era hora de me preocupar com isso.
Minha casa tem três quartos. O primeiro é uma sala de televisão, que dá para a varanda e tem um daqueles monstros de quarenta e tantas polegadas. Há apenas a televisão, uma estante com o vídeo, um sofá bem macio e uma escrivaninha.
- Muito bonitinho! - comentou.
- Aqui fica o estúdio, meu ponto fraco e o lugar da casa em que mais horas passo, e por isso o acho a minha cara, mais do que qualquer outro cômodo.
Ela ficou impressionada, como todos, aliás, com a quantidade de tintas, telas, papéis e computadores, que uso para desenhar.
- Você não falou que era pintor!
- Você não me perguntou.
- Que maravilha! Que tipo de pintura você faz? Já fez exposição? - muitas perguntas – Deixa eu ver seus quadros? - pediu.
- Depois te mostro algumas coisas. - falei saindo - Aqui fica a suíte!
Foi quando me toquei que poderia estar me precipitando. Ela iria pensar que estava a fim de trepar com ela. O que era a mais pura verdade, mas achei que exagerei, ainda mais que há uma parede de vidro separando uma enorme banheira de hidromassagem do quarto. Mas ela me deixou mais à vontade, entrando e indo até a varanda, sem reparar na parede de vidro.
- A vista aqui é diferente!
Abri a porta para que ela passasse para a varanda.
- Mar de um lado, montanha do outro. Por isso gosto tanto daqui. Quando estou muito chateado, abro as cortinas e durmo olhando o verde ou vou para a rede na varanda da sala.
- Isto aqui é um paraíso. Se você visse o conjugado em que eu moro em Copacabana. Pensando bem é melhor que você nem o veja.
- Mas por quê? - estávamos ficando perigosamente próximos.
- Morro de vergonha de lá. - Disse olhando para a montanha erguida à nossa frente. Sem que me desse conta, minha mão colocou-se na cintura dela - É tão pequeno que não dá para colocar nada - ela não recuou nem parou de falar - apenas o extremamente essencial.
Ela virou-se e nossos rostos ficaram frente a frente. Era impossível resistir e beijei-lhe os lábios, rapidamente. Ela me olhou nos olhos com os seus azuis e aproximou o rosto, com a boca semiaberta e uma língua sensualíssima. Mas não foi um beijo novelesco. Houve certa hesitação, mas ela virou-se e viu a banheira do outro lado.
- O que é aquilo? - perguntou.
Não era muito comum em uma casa, mas a parede de vidro separando a banheira do quarto, fora tão bem planejada pela arquiteta que projetou a casa, que em nada lembrava um quarto de motel.
- Uma banheira! – respondi tentando transmitir indiferença.
- Eu sei - disse voltando para o quarto - É sensacional, que lindo.
- Acho que a lasanha já está pronta! – disse, sem estar assim tão preocupado com o estômago.
- Então vamos à lasanha! - disse puxando-me pela mão.
Realmente foi por pouco que não vira torresminho de lasanha. Ela ajudou-me a colocar a mesa na sala, mas alguns sinos pareciam tocar na minha cabeça. Não sabia se isso era bom ou mau. Tentava afastar esses pensamentos por enquanto, pois a noite prometia ser longa.
A lasanha havia ficado realmente ótima. Algumas vezes errava no sal, mas desta vez ficara realmente deliciosa. Ela comeu e repetiu com uma satisfação insuspeita. Uma nova garrafa de vinho teve que ser aberta, mas sinceramente não havia intenção de embebedar ninguém, a noite estava ótima, e eu a queria bem lúcida.