Era uma quarta feira absolutamente sem graça de uma semana que transcorria ali pelo mês de Agosto, justo aquele mês em que todos acham que tudo de ruim vai acontecer conosco só porque há muitos anos atrás... Mas aqui ninguém quer saber de história, ou pelo menos desse tipo.
Naquela quarta feira, ela acordou particularmente animada e inspirada. Tinha sentido os lábios do marido nos seus quando ele se despediu ao sair para o trabalho, e no banheiro, se sentindo uma garotinha, olhando-se no espelho, passou as costas das mãos sobre os lábios, ficando na pontinha dos pés. Era como se sentisse o cheiro dele. Enquanto escovava os dentes antes de lavar o rosto, algo que ela nunca entendeu porque tinha que fazer nessa ordem, ela maquinou um plano.
Para colocá-lo em prática, foi até a garagem e pegou o utilitário que ele comprara para ela. Ela gostava muito mais do carro esportivo dele, mas esse aqui era ótimo para carregar as compras do supermercado, exatamente para onde ela ia. Só que não estava disposta a perder tempo. Foi ao mais perto de casa, que era mais caro e sempre o fazia reclamar quando via a fatura do cartão de crédito. Mas ela sabia que iria valer à pena. Comprou tudo o que precisava, pagou com o cartão dele e quando chegou em casa a empregada levou um susto. O carrinho que usavam no prédio, mas que era igual aos do mercado, estava muito cheio e eles não precisavam de muita coisa.
Ela então explicou, pegando o velho livro de receita da avó e mostrando para a assustada empregada, que queria que ela preparasse aquela receita de lasanha que estava ali. Contou que se lembrava de como fazia sucesso quando a avó a fazia e de como todos se sentiam bem após comê-la. Ela queria que a preparasse para o jantar, ou seja, seria a última coisa que a coitada ia fazer antes de pegar o trem de volta para casa. Dadas as ordens, ela saiu da cozinha já pensando nos próximos passos e não ouviu a empregada dizendo, ao terminar de ler a receita:
- Mas é uma porção pra seis pessoas!?!
Ela deu de ombros, não tinha nada que se meter na vida do casal. Arrumou as coisas que a patroa comprara, separou o que era mesmo pra tal da lasanha e olhando pra receita percebeu que a avó da patroinha realmente sabia como misturar alguns ingredientes.
Assim que saiu da cozinha, ela correu para o banheiro, tirando a roupa pelo caminho e tomou uma rápida chuveirada. Enquanto se enxugava, pegou uma roupinha simples, uma sandália que não estragasse o esmalte das unhas e da porta da cozinha avisou que ia ao salão, acrescentando que qualquer coisa ligasse pra lá (devo lembrar que estamos em uma época pré celulares e shoppings).
Esquecera de almoçar, mas o Zélius sempre podia arrumar algum petisco ou salgadinho pra ela. Achou uma vaga ótima, quase em frente ao salão, daquelas em que cabiam dois carros. Como ela não era uma grande motorista adorou não perder muito tempo colocando o carro na vaga.
Assim que entrou, todas as meninas a saudaram e o próprio Zélius interrompeu o corte que estava fazendo e veio falar com ela. Beijinhos gays pra lá beijinhos patricinhas pra cá e ela avisou que hoje queria tudo, inclusive os cuidados da Brigite, que era a excelente massagista do local e com uma agenda apertadíssima. Ele a olhou, segurando uma das mãos dela meio que para o alto, de cima embaixo e comentou na sua voz bicha exagerada:
- Pelo visto hoje tem!
E ela confirmou só com um olhar.
Ela conseguiu tudo o que queria, até o salgadinho. Era sempre assim, mas não era só pela sua simpatia que conseguia abrir as portas e furar as filas impossíveis, mas sim por suas generosas gorjetas. Com os pés de molho e uma manicure cutucando suas cutículas, ela pediu o telefone, um moderníssimo trambolho gigantesco sem fio, pra ligar pro marido. Quando ele atendeu, como sempre esbaforido e no meio de outra ligação, ela avisou pra ele que ela mandara a Wilma preparar um jantar especial e bem gostoso e que eles teriam uma noite ótima.
Quando ela desligou, a manicure olhava sorrindo pra ela e conversaram nada discretamente sobre o que ela resolvera fazer pra ele e com ele naquela noite. A moça achou-o um homem de sorte e ela explicou que ele merecia isso. Mas as coisas precisavam acontecer ali naquele salão e Zélius se encarregou pessoalmente de encaixá-la com a Brigite e de penteá-la pessoalmente, para ódio das meras mortais que precisavam esperar pela sua escova e suas tesouras encantadas.
Ela saiu de lá, linda, maquiada, penteada, com a pele macia como seda bem perto das cinco horas. Foram praticamente seis horas de preparação. Pegou o carro felizmente aliás quase na porta e voou para casa. A empregada já tinha ido, mas deixou a mesa posta, toalha, pratos, talheres, com um bilhete avisando que a lasanha estava pronta no forno, mas que era bom aquecê-la um pouco antes de servi-la.
Ela deixou o bilhete e correu para o quarto. Pegou as roupas que a Wilma não tirara do chão, abriu suas portas do enorme armário duplex e ficou escolhendo roupa pra cá, roupa pra lá e quando se decidiu por um pretinho básico, viu que o chão do quarto estava novamente coberto de roupas. Juntou tudo em um monte e enfiou dentro do armário contando que Wilma arrumasse aquilo no dia seguinte.
Agora, com muito mais cuidado, vestiu a lingerie que ele mais gostava e que faria a mãe dela corar de vergonha, as sandálias de salto alto que ele adorava e por fim o vestido. Olhou-se no espelho e viu que conseguira não desfazer o cabelo e que a maquiagem precisava só de um ou outro retoque.
Ela estava justamente diante do espelho do banheiro, praticamente sentindo o que sentira quando se olhara ali pela manhã quando ouviu barulho na porta de entrada. Como uma garotinha, respirou, na verdade dando um tempo a si mesma e saiu correndo para chegar na sala antes dele para que pudesse ver como estavam lindas ela e a mesa. E deviam estar mesmo.
Ela ficou de pé, com uma mão sobre o encosto de uma das cadeiras da mesa de jantar e, mesmo ela, pressentiu algo estranho.
Havia mais gente? Ele entrou falando no celular? Quantos eram? O que era aquilo????
Ela segurou, como manda a educação, o desespero. Ali estava o seu marido e dois colegas de trabalho. Ele chegou junto dela, deu-lhe um beijo discreto nos lábios e disse:
- Quando você disse noite especial com aquela voz eu sabia que você tinha lembrado da final do campeonato. Só espero que você não se chateie de eu ter convidado o Alberto e o Augusto pra assistirem conosco.
Aí ele olhou pra mesa e se tocou:
- Desculpe, querida, vamos pedir umas pizzas não é rapazes?
Ela sorriu, disse que não tinha necessidade. E pisando um pouco mais duro do que o rebolado que tinha ensaiado, foi à cozinha e trouxe mais dois pratos e talheres. Ele falou:
- Vou te ajudar querida!
E rapidamente pegou tulipas para as cervejas que eles haviam comprado, só um reforço para o estoque da geladeira. Ela abriu o forno, lembrou da recomendação da empregada e pensou: “Dane-se”.
A travessa era muito maior do que ela imaginara e nem se lembrou de que as receitas da avó eram para a família grande deles e não para um casal sem filhos. Quando ela colocou aquilo sobre a mesa os caras pularam de alegria e apesar de serem quase educados, como se dizia antigamente: “caíram de boca” na lasanha e claro na cerveja. Ela mal comeu e só bebericou um pouco da água com gás que gostava.
Para sorte dela, e parece ter sido a única coisa que iria dar certo naquela noite, os aflitos torcedores se ofereceram para lavar a louça e apesar de limpa, a cozinha ficara uma bagunça. Mas eles estavam felizes. Os três já refestelados no sofá enorme da sala de estar, diante daquela televisão grandona (como essa história se passou logo após a copa de 70, pelo menos a dita era colorida, mas “grandona” só naquele tempo mesmo)
O marido deu uma batidinha no assento do sofá mostrando que reservara um bom lugar para ela, entre ele e o braço do sofá, do lado que ela mais gostava. Ela deu um sorriso, aquele que foi possível dar e disse para ele:
- Eu vou retocar a maquiagem e já volto.
Ela entrou no quarto, se jogou na cama e chorou. Tirou as sandálias, se encolheu como um bebe e chorou. Ninguém a ouviu chorar. Ninguém a viu dormir, nem o marido, que após beber tudo o que era possível com os amigos, resolveu sair com eles para a saideira.
- Mas e tua esposa? - perguntou justo aquele que lavara a louça.
- Ela já deve estar dormindo! – e foram para um boteco qualquer comemorar a vitória do time.
obs: se aquele que reclamou por histórias verídicas as quer, é isso que terá. Pode ser até interessante colocar algumas histórias que apesar de envolverem sedução, sexo e amor, são verídicas e sem super-heróis, mas acho que vocês preferem as menos reais... assim como eu.
Muito bom este também. As aventuras veridicas se contadas ao pé da letra, muitas delas, ficarão mesmo sem graça. Todas tem que ter um pouco de fantasia para deixá-las mais apimentadas. Votado.
Gostei muito. Relatos assim não são chatos, tem algo de erótico, cômico e trágico. É melhor do que porcaria de fantasia descabida.
muito bom
KKKKK GOSTEI PIRRAÇA BEM ELABORADA KKKK GOSTO DOS SEUS CONTOS E ÓTIMA RESPOSTA VOTADO KKKK