Talvez seja esse o relato mais demorado dentretodos, não por sua complexidade – reescrever vidas vividas, por si só, já é complexo – mas por um motivo que nem eu sei explicar: toda vez que me debruçava sobre o relato original, por algum motivo alheio a minha vontade, resolvia deixar de lado e trabalhar outro.
Essa história, que hoje me alegro em concluir – modo de falar, pois as histórias não têm fim – possui elementos muito próximos ao clássico de erotismo mundial, editado pela primeira vez nos idos de 1907, que escandalizou a sociedade reinante pela crueza do escrito e por “arrancar” o tap’ôlho hipócrita das alcovas puritanistas de uma Paris eternamente envolta em sexo e prazer sem fim, de autoria de um jovem, então pouco conhecido, escritor que granjeou inimigos na igreja e no parlamento: Proezas de Um Jovem Dom-Juan não foi o primeiro livro de Guillaume Apollinaire, antes Paris já se deliara com “As onze mil varas” não menos explosivo.
“Berthe se levantou, olhou para todos os lados,depois se acocorou perto do banco e começou a urinar. Eu me inclinei depressa para ver tudo, e vi, no alto de sua fenda, um jato fino e forte que caia obliquamente no chão” - (Proezas de Um Jovem Don-Juan)
17/10/2005, segunda-feira.
Gustavo casou cedo, tinha pouco mais de dezessete anos quando Luiza, uma colega de escola descobriu estar grávida. E ela, mais nova ainda – dezesseis anos – mal tinha saído das brincadeiras de casinha quando deu de cara com aquele garoto tímido de cabelos esvoaçados lendo Os Maias na pequena biblioteca da escola.
O namoro tórrido só foi possível porque ele tinha “perdido” a namorada que imaginava ser a mulher de sua vida e, talvez para mostrar que a perda não era de grande valia, partiu para cima da morena – filha de um industrial afeito a pompas da sociedade – que terminou engravidando.
O pai, para preservar a “honra” da filha resignou-se e aceitou a sugestão da esposa de que o melhor a fazer seria casar, a filha, o mais breve possível. Foi num sábado, 19 de janeiro de 1984, numa pequena capela com poucos convidados que as duas quase crianças selaram compromisso de amor perpétuo e sete meses após o casamento nasceu Marília, uma pequerrucha esperta que foi o motivo único e verdadeiro para que conseguissem viver longos dezesseis anos, quase dezessete, de uma relação ponteada de confusões.
Gustavo voltou a reencontrar a namorada, com quem tinha brigado, pouco depois casamento. E – aqui começam as coincidências – num sábado (28/07/1984) aceitou o convite de ser padrinho de casamento de Angélica com o grande amigo Pedro, para desgosto de Luiza. O casamento foi realizado com pompas no dia dezoito de agosto de mil novecentos e oitenta e quatro, um sábado. Também foi em um sábado (04/05/85) que nasceu Clarisse, filha de Angélica, cujo batizado aconteceu no dia oito de junho de mil novecentos e oitenta e cinco – sábado – e Gustavo foi padrinho.
As vidas dos casais Gustavo/Luiza e Angélica/Pedrose fundem no decorrer dos anos.
Por estranha coincidência, também foi em um sábado,dia 25 de novembro de 2000, o ultimo dia que conseguiram passar juntos. Já não havia clima no casamento há mais de dois anos e, aceitando conselhos dos pais, decidiram ser melhor a separação que a convivência carregada. Gustavo continuou vivendo na cidade e Luiza foi morar em Recife – onde ainda mora com seus pais – para reiniciar a vida e tentar refazer-se das seqüelas da separação. Marília,então com dezesseis anos, seguiu a mãe.
Esse é a história de uma relação nascida dessas eparação, a princípio carregada de ressentimentos que, aos poucos, aplainou e se transformou em amizade verdadeira.