Acordei meio-dia com o som das badaladas do sino da igreja, e ainda estava morrendo de sono, mas uma conversinha e sorrisinhos vindos do corredor ao lado de minha janela acendeu o meu sinal de alerta. Olhei pela fresta da veneziana e vi uma piriguete com os peitinhos eriçados por debaixo de uma blusinha fina de alcinha, praticamente ela se esfregava no peito do Pedro enquanto rebolava sua bunda com um shortinho que deixava as bochechas de fora. Ela morava no final do corredor com a mãe vadia. A mulher se deitava com o cara do açougue e o do mercadinho para ter comida grátis em casa, e também o senhorio em troca de desconto no aluguel.
Fiquei possessa e fiz besteira, perco o controle em certos momentos de irritação. Peguei a arma e abri a janela apontando para a testa da menina enquanto urrava:
— Sai fora seu projeto de piranha, se eu ver você se jogando em cima do meu homem mais uma vez, vou estourar essa sua cabeça de merda.
A garota tremeu na base e quase desabou, se afastou com as mãos erguidas e os olhos arregalados até chegar e entrar em seu muquifo. Olhei para o Pedro e sussurrei:
— Tá maluco cara, se te pegam enroscado com esse projeto de piriguete você vai em cana.
— O que você está falando? Eu cruzei com a garota na saída do mercadinho e ela só estava me contando sobre um filme que assistiu ontem.
— Ah tá! O cinquenta tons de cinza, né?
Ele entrou e me acalmou após pegar a arma da minha mão. Conversamos a respeito da minha noite. Inventei sobre a necessidade de esperar a boa vontade do chefe do pedaço, um travesti.
— Também joguei um pouco de cartas esperando o dia raiar para vir embora, pois o pedaço não é seguro de madrugada.
Achei melhor ocultar o lance de sexo brutal, depois falei para ir se preparando, partiríamos em busca dos traidores em três dias.
Na última hora da quinta-feira, partimos em um ônibus rumo ao sul; Itajaí e Camboriú seriam os locais prováveis para encontrarmos o canalha do Maciel. Todas as suas posses e bens materiais, além dos afetivos, estavam na cidade ou nos arredores, praticamente: sua mãe, a ex-companheira e o filho, por exemplo. Apesar de ter falado raramente com o concierge ao nível não profissional, ficou evidente que a garota ainda era especial para ele, o seu filho mais ainda. Era quase certo de ter retornado à região para ficar próximo a eles.
Ainda sobre o dia do golpe
Após furar o bloqueio policial e de ter sido alvejado por um tiro, Maciel considerou que parar e se entregar não seria a melhor alternativa, dirigiu loucamente o Audi a mais de 200 km por hora durante vários quilômetros. Era uma situação inédita em sua vida, apesar de ser um ladrão e golpista, todavia, nunca esteve em situações extremas com tiros e perseguição. Pecou pela inexperiência ao perder o controle do carro em uma curva, rodou na pista e terminou fora dela batendo em uma árvore. Não sofreu ferimentos graves graças ao Airbag. Saiu do veículo e olhou para Jessie desacordada e presa ao cinto de segurança no banco traseiro. O plano estabelecido pelo Rocha (o Nordestino) era acabar com a vida da garota de programa empurrando o Audi, com ela dentro, para o fundo de uma lagoa. O parceiro evitava deixar rastros capazes de levarem até eles. Maciel pensou: "E quem garante que não fará o mesmo comigo?"
Seus pensamentos foram interrompidos pelo som de sirenes ao longe. Abandonou o local e iniciou uma caminhada difícil pela mata. Contou com a sorte para chegar a uma região urbana e conseguir um táxi. Não poderia procurar ajuda hospitalar, entrou em contato com um médico seu conhecido. Contava com a discrição do doutor para cuidar do seu ferimento em troca de algum dinheiro.
Horas mais tarde, suas numerosas tentativas de contato via celular com o Rocha foram em vão, o comparsa era o mais experiente do trio, já havia destruído o celular pré-pago adquirido para usar somente na ocasião do golpe.
O Maciel estava temeroso, matariam sua parceira após arrancarem tudo dela, a seguir viriam atrás dele. Juntou suas coisas para sair de circulação, já havia dado a jogada de milhares de dólares como perdida, sonhou alto e se deixou enganar pelo comparsa recém-conhecido. E ainda se envolveu com uma elite abastada e poderosa que não hesitava em mandar matar quem atrapalhasse os seus negócios. Eles já estariam em sua captura, deduziu, precisava desaparecer de imediato para não ser o próximo a ser silenciado.
"Onde estaria o Rocha? Era um nome falso, óbvio, mas como soube do carro com o dinheiro? Quem era ele? Como soube a meu respeito?" Os pensamentos e perguntas enchiam a cabeça do concierge e não obtinha resposta para nenhuma delas.
Continua…