Passados três meses
O casal guatemalense, fugitivos do Brasil, cavalgava durante um passeio em um vilarejo afastado. Eles faziam um tour até o Vulcão Pacaya, uma região de população humilde, topografia íngreme e o acesso por terra era possível somente em lombo de cavalos. Ainda era preciso caminhar no final do percurso.
Uma cerração chegou forte durante a tarde, nada de anormal naquela localidade e naquela época do ano. Contudo, a visibilidade do grupo ficou prejudicada durante o retorno.
Em um trecho mais acidentado do percurso, ocorreu um acidente: a sela da montaria do empresário se soltou e ele despencou do cavalo rolando morro abaixo. Foi um tremendo alvoroço.
Quando o socorreram ele estava com os olhos esbugalhados, não se mexia, nem falava. Às pressas o levaram para o único posto médico da localidade, mas devido às condições inadequadas de transporte, o estado físico do ferido só agravou durante a remoção; ele acabou tendo um novo ataque de catalepsia.
O acidente com o cavalo foi uma sabotagem encomendada por Claudia (sua esposa). Já o episódio de catalepsia não era esperado, foi um ato divino e veio bem a calhar ajudando no plano dela, em razão do homem ter sobrevivido à queda. O esperado pelos estrategistas do mau, era um tombo seguido de morte, em razão do trecho ser uma ribanceira acidentada. Ou no mínimo que o homem ficasse muito ferido, então o médico local, cúmplice da Claudia, seria o encarregado de transformar em fatalidade o pós-acidente.
O doutor era um velho conhecido da mulher, chegaram a namorar quando ambos cursaram o último ano do ensino médio.
Semanas após seu retorno ao país, Claudia o procurou com o pretexto de matarem as saudades e reviverem o passado. De imediato iniciaram um relacionamento amoroso. No entanto, o motivo principal da aproximação da esposa amargurada era contar com a ajuda do médico, de caráter duvidoso, na execução de um plano para tornar-se viúva o mais rápido possível.
Foi o médico o articulador da sabotagem na sela montada pelo homem no passeio programado por ela. O doutor também induziu o pequeno grupo a imprimir um ritmo acelerado no retorno.
No dia seguinte
Havia passado pouco mais de vinte e quatro horas do acidente, a mulher, como conhecedora dos ataques de catalepsia do marido, sabia que ele poderia “reviver” a qualquer momento. Por essa razão havia ordenado o sepultamento sem demora. Baseou-se na declaração de óbito proferida pelo doutor, seu amante, e com a aceitação de um médico responsável do IML local; o mesmo estava em conluio com o casal e recebeu uma gratificação generosa para confirmar que a morte foi devido a um câncer em estágio avançado e não necessitava de uma necrópsia.
Todavia, o sucesso do plano ficou em perigo quando o legista pediu para ter um particular com a "viúva". O lance ficou complicado e o cadáver corria o risco de não ser liberado para o enterro.
Ela precisou administrar uma chantagem do legista que dificultou as coisas fazendo ameaças veladas de última hora. Ele também era um conhecido de sua juventude e tinha uma tara pela dona de belos atributos físicos. Não hesitou em aproveitar a oportunidade de tê-la em seus braços e satisfazer a um de seus desejos mórbidos: transar com a mulher na sala de necrópsia. Claudia relutou e até ofereceu mais dinheiro ao homem doentio, porém, o sujeito de atitudes estranhas estava inflexível.
A dama educada, graciosa e de gestos delicados, foi madura o suficiente para entender que aquilo não tinha mais retorno, iria até o fim e pagaria o preço, antes que fosse tarde demais. Concordou em se entregar ao homem no ambiente tétrico, no entanto, jamais o faria sobre a mesa gelada e fúnebre como era o desejo dele. Ela foi irredutível.
A transa aconteceu ao lado do marido chifrudo. A mulher ficou em pé, debruçada em uma maca, com seu vestido erguido deixando exposto seu bumbum maravilhoso. O homem de calças arriadas a pegou por trás. Após dois ou três minutos de uma pegada mais suave, o legista começou a acelerar e estocou forte anunciando seu gozo. Foram três gemidos no ritmo do pulsar da sua ejaculação, sendo o último mais longo. Ofegante, ele reduziu seus movimentos lentamente até cessá-los.
O suposto defunto, estirado nu e descoberto na mesa fria, foi testemunha de um tipo de "pagamento de propina", pois segundo algumas publicações científicas: "O ataque cataléptico pode durar de minutos a alguns dias e o que mais aflige quem sofre da doença é ver e ouvir tudo o que acontece em volta, sem poder reagir fisicamente."
Se for real, ele ouviu cada urro e gemido daquela cópula incomum.
Pouco depois ocorreu o sepultamento. A rapidez do enterro foi justificada pelos médicos devido ao processo rápido de decomposição em virtude da alta temperatura e a câmara refrigerada da localidade ter apresentado problemas (por obra da sabotagem de autoria do médico legista).
***
A noite chegou anunciando uma tempestade tropical de raios e trovoadas. O empresário começaria a “reviver” de madrugada, em meio ao barulho da tormenta. Passaram-se quarenta horas após a suposta morte do industrial, seu despertar era lento e sua consciência retornava aos poucos. A dor em sua cabeça era de enlouquecer, em razão da pancada sofrida durante a queda do cavalo. Sua cova, ligeiramente rasa, coberta com uma mistura de terra e cascalho, permitia a entrada de ar suficiente para mantê-lo vivo, no entanto, esse seria seu pior castigo.
O desespero chegou ao sentir as dimensões do objeto que o mantinha preso na posição deitado. Ficou aterrorizado e, mesmo com visibilidade zero, por conta da escuridão do interior do seu caixão, ele sabia que o pior havia acontecido, foi sepultado vivo após um novo ataque.
Durante um dia inteiro ele travou uma batalha contra a morte, estava debilitado pelo acidente, mas lutou desesperadamente com as forças restantes tentando sair do seu sepulcro. Debateu-se e gritou por ajuda até ficar sem voz. Com uma chuva torrencial se estendendo pelo dia todo, a chance de ser ouvido tornou-se nula, era inviável surgir alguém transitando pelo local. Como última alternativa: ele rezou, chorou e fez promessas para o caso de conseguir sobreviver, seria um ser humano melhor e usaria sua fortuna para ajudar os menos favorecidos.
Só os trovões responderam às suas preces, não era essa a resposta esperada por ele vinda dos céus. Em desespero clamou ao inferno na tentativa de um pacto com o diabo… Tampouco foi ouvido.
Ao amanhecer de um novo dia o homem estava no limite do esgotamento físico e mental, prisioneiro na escuridão de sua sepultura. A chuva se foi e com ela as suas forças para lutar. Suas mãos, cotovelos, pés, joelhos e cabeça estavam em carne viva de tanto golpearem a madeira na tentativa de sair da catacumba. Sua mente beirava à loucura e os pensamentos eram delírios.
Horas depois, com a falência múltipla dos órgãos, sua vida expirou... E dessa vez foi em definitivo.
Enquanto isso, no Brasil
Naquele meio de semana, assim como nas últimas semanas, o sol brilhava em um céu azul sem nuvens. A nudez de um corpo feminino, natural e não agressivo, de curvas suaves parecendo que foram esculpidas, competia com a beleza da paisagem do litoral nordestino. Ela relaxava deitada de bruços na proa de um barco. Para muitos, era um dia normal de trabalho, mas não para Jessie e Pedro, eles navegavam pelo litoral baiano, ancoraram no mar próximo a Porto Seguro.
Ele voltou da cabine com uma nova rodada de drinks, entregou um dos copos para a companheira, brindaram e deram um gole. Continuaram a fazer amor como se o mundo em terra firme ou além-mar não existisse.
Nem parecia o mesmo casal que viveu momentos de grande tensão e perigo meses atrás antes de chegarem a Salvador. Ali eles decidiram curtir a vida e a pequena fortuna adquirida. Juntos compraram uma lancha de 29 pés, com cozinha, banheiro e cabine para quatro pessoas dormirem. O barco e um ancoradouro em Salvador ou em alguma outra parte do litoral do país, tornaram-se a residência de ambos. A embarcação era uma maneira segura de se moverem sem depender de estações rodoviárias ou estradas monitoradas por câmeras, posto que Jessie, mesmo tendo se apaixonado e estando curtindo uma relação a dois, não largaria o seu vício por adrenalina e de quebrar regras. Ainda estava em seus planos o lance de seduzir e de apropriar-se dos bens de homens privilegiados e safados que saiam em busca de momentos de diversão e perversão. Mas no momento era só pretendia curtir a companhia e o pequeno paraíso.
Durante a pausa de mais um instante de pegação, Jessie levantou e puxou o Pedro pela mão.
— Vem, amor, vamos dar um mergulho!
Os jovens nus se lançaram ao mar de mãos dadas dando um grito de liberdade.
Fim