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Tudo na vida tem uma primeira vez. E ninguém nasce escolado na putaria.
Mas como eu ia adivinhar que meu primeiro momento íntimo com um homem seria justamente com Figueirinha, um amigo da família que nem fazia muito meu tipo? Mais que o dobro da minha idade, parrudo, grande em todas as dimensões, cabelo volumoso, corpo peludo, cabeça enorme com uns lábios que logo descobri que eram ótimos de dar beijos e chupavam um pau com perfeição. Plena e perfeitamente macho, daquele tipo que gostava de outro macho.
Da mesma forma, eu, que todos imaginavam ser um moleque inocente focado nos estudos, recebia na minha boca o pau dele, uns 17 centímetros, grossinho, cheiroso, não circuncidado.
Uma vez, eu o surpreendi deixando que ele gozasse na minha boca e engolindo sua porra toda. Tinha feito o dever de casa: já que ninguém me explicava, fui consultar as fontes e li que não é preciso ter nojo do sêmen, que é uma substância pura e rica em proteínas. E disse isso a Figueirinha. No retrospecto, acho que me arrisquei muito, pois é 99% certo que Figueirinha tinha outros parceiros, apesar de ele às vezes alimentar uns surtos de ciúme sobre o que a minha pessoa poderia estar aprontando com os outros.
Mas como chegamos a isso? A primeira noite em que agarrei um macho, ou fui agarrado por um macho, ou que nos agarramos reciprocamente, passou longe do clichê do encontro do príncipe encantado. Pelo contrário, foi uma experiência na encolha, tensa, que semeava mais dúvidas do que certezas na cabeça de um garoto que já sentia tesão por homens antes mesmo de aprender o que era sexo.
Meu pau em formação ficava duro direto só de ver os meninos da turma suando as camisas (ou, melhor ainda, tirando as camisas) nas aulas de educação física. Também tinha meus sentimentos por garotas, mas não eram a mesma coisa. Sabia que não era um rapaz como os outros, mas se alguém descobrisse o que se passava pela minha mente... Figueirinha usou seu sexto sentido e descobriu.
Ele era filho de uma daquelas típicas famílias portuguesas que tinham chegado ao nosso bairro antes de todo mundo. Ocupação principal? Não importa; sua verdadeira função era ser amigo. Muito próximo do meu tio e do meu primo, já era notoriamente conhecido de mim e de toda a família e passou a ser recebido em todas as nossas festas como se parente fosse. Como foi exatamente o caso num aniversário numa cidade próxima.
Naquela noite de sábado, enquanto a maioria comia e bebia no quintal, eu, Figueirinha e mais umas três pessoas assistiam a um programa qualquer na televisão. Figueirinha estava sentado no sofá ao meu lado, rindo e conversando. Quando os outros estavam distraídos, Figueirinha, sorrateiramente, pegou na minha perna e afastou a mão logo em seguida.
Pensei que tinha sido algo casual, um excesso de entusiasmo, um gesto enganoso. Não era. Sem parar de falar uma coisa qualquer, ele voltou a pegar, enchendo a mão grande e grossa, até que percebeu que alguém poderia ver o que estava acontecendo. Senti um desconforto, uma sensação de invasão de privacidade, e, ao mesmo tempo, uma curiosidade do tamanho do mundo. Sem querer armar um barraco em família, reclamei do gesto dele e saí de cena. Fiz isso de uma forma incisiva e discreta que acabou transmitindo bem outra mensagem.
Trinta segundos depois, eu estava na varanda da casa, sozinho, olhando para a rua vazia e escura, como quem espera algo ou alguém... que realmente veio. Figueirinha se aproximou de um jeito que não podia deixar de ser notado, me pegou por trás e esfregou o pauzão na minha bunda. Como ele tinha arrumado essa cara-de-pau? Aí meu coração já estava em disparada, vendo que a coisa era possível, calculando todas as possibilidades sexuais que aquele vínculo podia proporcionar.
Ali mesmo não dava para fazer mais do que aquilo, mas foi só Figueirinha abrir o portão e me conduzir para a calçada. Juntamo-nos em nosso primeiro beijo. Era tão gostoso quanto o da garota que conheci, e com o bõnus de uma língua mais grossa e mais safada. Enquanto isso, Figueirinha me envolvia todo com os braços; se passasse alguém, pensaria que ele estava agarrando uma mulherzinha. E eu também pegava ele todo, sentindo aquele desodorante que nunca descobri qual era, mas que eu passei a interpretar como marca registrada de Figueirinha.
Fomos para uma parte ainda mais escura, onde pude pegar no pau dele, ainda por dentro da calça, e ele no meu, que ele parecia gostar muito. Era tudo recíproco e gostoso, cada um pegando e se deixando pegar, sem vergonha nem barreiras. Depois de mais beijos, fiquei doido por outro encontro.
Armamos um plano. Avisei em casa que, depois da aula de inglês, seguiria para a casa de Figueirinha para pegar um disco emprestado. É claro, naquele horário Figueirinha estaria sozinho em casa, e realmente existia um disco para manter as aparências. Eu era o menino ajuizado; ele, o amigão de tudo mundo. Ninguém teria motivo para desconfiar.
Era um apartamento simples, mas bem amplo. Figueirinha já me recebeu com um beijo de tirar o fôlego e me puxou para a sala: tiramos a roupa e fizemos tudo por lá mesmo. Muitas chupadas mútuas nos paus e nos sacos, linguadas nos cus e uma tentativa de penetração que não deu certo (a possibilidade me assustava, e ele quase me machucou), ficamos sentados num grande pufe e ele começou a me masturbar.
Logo eu senti alguma coisa que nunca tinha sentido e minha porra saiu voando vigorosamente: era o primeiro orgasmo da minha vida. Fiquei fascinado pela saída daquele líquido branco, uma experiência que quis repetir sempre, e Figueirinha ficou radiante com a formação que estava dando a seu garoto.
Daí em diante, fui ficando cada vez mais próximo do círculo de amizades do meu tio para ver se conseguia encontrar Figueirinha “casualmente” e combinar outro encontro (telefone era difícil naquele tempo). Geralmente ele ia à minha casa quando todos estavam fora, driblando a vigilância dos fofoqueiros. Quando não arranjávamos uma cama para fazermos 69, resolvíamos a nossa parada em qualquer cantinho discreto: um banheiro desocupado, uma moita de capim alto, um banco de trás de carro estacionado, uma laje que os vizinhos não enxergavam.
Nem sempre as coisas foram tranquilas: às vezes ele se mostrava meio brutal, eu ficava com medo das consequências e me afastava dele, só para depois de uns meses voltarmos a nos “esbarrar” como se nada tivesse acontecido. Eu passava por períodos de estudo que tomavam muito tempo. E íamos resolver nossas vidas no plano pessoal e profissional, em caminhos diferentes. Enquanto eu arrumava namoradas, Figueirinha descumpria a promessa de me levar à minha primeira boate gay (muito depois, acabei indo sem ele; uma espelunca que não fez a menor falta) . Assim, entre idas e vindas, nossa relação seguiu por dez anos.
Nosso último encontro, lembro bem, foi depois de um jogo de Copa do Mundo. A família inteira se reuniu para ver o jogo; na comemoração que se seguiu, Figueirinha já tinha bebido litros e litros e fui acompanhá-lo até a casa dele - antes passamos em uma festa de rua onde ele bebeu mais ainda. No longo trajeto, Figueirinha começou a falar um monte de bobagens, que queria me namorar, que estava com vontade de comer meu cu com areia. Descartei o papo de bêbado e ficamos. À meia-noite, discretamente, na guarita em obras do próprio condomínio de Figueirinha.
Depois disso, continuamos nos vendo e nos cumprimentando em festas ou passando pela rua, mas nunca mais rolou algo sexual entre nós. Passaram-se uns quatro anos e ouvi falar que Figueirinha tinha morrido. Fiquei de cabelos em pé. Teria ele deixado alguma revelação-bomba sobre o que tinha rolado entre nós? Aquele era um sinal para eu mudar de vida? Entrei em parafuso: joguei fora as revistas gays que guardava com tanto zelo, apaguei centenas e centenas de imagens de homens nus armazenadas no computador, desconfigurei o acesso a salas de bate-papo gays.
No fim das contas, a informação era falsa, Figueirinha estava vivíssimo e eu fui refazer minha coleção de homens - reais e virtuais. Conheci um monte de gente na internet, fiz o circuito das saunas em mais de uma grande cidade, fui apresentado ao mundo à parte dos cinemões e galerias eróticas.
Até que Figueirinha morreu mesmo. Causas naturais. Era de certa forma conhecidinho; deve haver registros na internet, mas não entro em detalhes para poupar os inocentes. Àquela altura, Figueirinha poderia ter sido reduzido a personagem do primeiro capítulo de uma longa saga sexual, mas não foi. A falta do amigo de todo mundo foi dolorosamente sentida por muitos. E nenhum podia saber o quanto ele tinha sido mais que um amigo para mim.
Uma crônica biográfica bem enredada que descortina o sexual despertar de tantos. Muito bom!
Belo relato, muito bem escrito !
Bem escrito pra caramba. Adorei seu conto. Bjs